quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Crônica - Rosana

Rosana é uma travesti loira, de olhos castanhos e seios fartos. Muito mais bonita do que uma porção de mulheres. É aquela travesti que as pessoas dizem “jurei que era mulher”. Conheci Rosana quando voltou a Porto Alegre, no início deste ano. Ela nasceu aqui, mas teve que se mudar para São Paulo. Sua vida sempre foi muito difícil. Quando adolescente, notou que seus sentimentos eram diferentes e necessitava expressar sua feminilidade. Foi espancada pelo pai e expulsa de casa pela mãe. Fez programas na Avenida Farrapos até que cansou e decidiu que deveria ter uma vida digna, como a de qualquer outra “mulher”. Procurou emprego durante um bom tempo. Quando não caçoavam de suas maneiras a tratavam mal pelo seu pensamento popular, ignorante. Rosana não terminou nem o ensino fundamental. Quando conseguiu um emprego em telemarketing sentiu-se orgulhosa. Em pouco tempo foi demitida por não se enquadrar nos padrões morais da empresa. Desiludida, prestes a voltar a vender o corpo, uma amiga, dos cabarés que freqüentava, ofereceu à Rosana uma oportunidade de trabalhar em seu salão de beleza. Rosana tentou, mas as clientes do salão não se sentiam confortáveis em serem atendidas por “tamanha aberração” como disse uma delas. Voltou pras ruas, onde a pagavam melhor: conseguia mais de 400 reais por noite. Um tempo depois, de carona em um caminhão, foi para São Paulo atrás de melhores oportunidades. Quando a encontrei voltava a Porto Alegre pra providenciar seu visto. Iria para a Espanha. “Lá as travestis brasileiras são muito requisitadas, ganham horrores de dinheiro” dizia.


Rosana é mais uma pessoa sem perspectiva de futuro. Quando ficar velha e não for mais útil na noite vai morrer de fome ou mendigar como muitos. Além de não ter terminado os estudos, vai estar velha, cansada e vai continuar sendo discriminada. É triste ver alguém sofrendo. É triste ver que existem muitas Rosanas, por aí. Milhares de pessoas são obrigadas a se contentar com o pouco que conseguiram enquanto nos disfarçamos atrás de um véu de futilidade e egoísmo e maquiamos nossos rostos com uma falsa felicidade. Quem é o travesti, afinal?


Sobre a palestra do Monjardim

Impressionante, pode-se dizer. Revoltante, talvez. Na palestra do diretor de especiais da Rede Globo, Jayme Monjardim, no RBS Debates, um evento integrante da programação do SET Universitário da Faculdade de Comunicação da PUC, poucos foram os que não esboçaram algum ruído demonstrando seus sentimentos pelas falas que ouviram. “Por respeito à família brasileira, eu não colocaria um beijo entre dois homens em uma novela”, foi só um começo. Sobre essa, saíram alguns “ais” e “eis” de descontentamento. Quando ele falou que a telenovela manipula a consciência do povo brasileiro, que tinha ciência e se preocupava com isso, muitos não acreditaram.

Monjardim na PUCRS. (Foto: Mariana Fontoura/FAMECOS)

Eu não concordo com ele em muitas coisas, mas opinião é opinião e cada um sabe da sua. Ou não, quando você manipula um meio que manipula um aglomerado gigante de pessoas. Por mais que tenha mostrado alguma preocupação social quando mostra casos de superação no final de uma novela, acho que falta mais. Tudo bem, posso estar influenciado por ser gay e ter sofrido uma sensação de puro desgosto e traição quando os apaixonados cowboys de América não se beijaram. Posso querer que todos sejam livres e tolerantes o suficiente para que uma demonstração de afeto boba seja mostrada em rede nacional sem que algumas cabeças tenham que rolar em uma equipe mais conservadora. Posso ser utópico pensando que isso seria o mínimo aceitável de uma rede de TV que se diz preocupada com os problemas que encontramos.


O problema é quando não se sabe que o problema existe. Duvido que o senhor Monjardim saiba que enquanto discute com seu amigo cineasta se ainda há preconceito contra os negros, e há e todos sabem, uma porção de gente como eu sonha no dia em que se discuta se ainda há preconceito contra gays, mas aí de verdade mesmo.


Cada vez que recebo um e-mail de amigos contando que alguém foi assassinado por que se vestia diferente sinto um aperto imenso e não sei o que fazer. Cada vez que fico sabendo que um adolescente se matou por que alguém lhe chamou de bichinha, e pasmem para os que tomam conhecimento dessa realidade só agora, isso sempre aconteceu e acontece cada vez mais, fico mais chocado. Cada vez que alguém relata que lhe jogaram ovos e outras coisas mal-cheirosas e penso na humilhação gratuita, acredito que dava pra fazer algo! Eu já estive perto de me matar por pensar que ia sofrer menos se não tivesse que ir em frente e cada vez que penso que alguém está nessa situação e pode não ser tão forte quanto eu fui, penso que talvez Monjardim pudesse fazer algo por essas pessoas.


Não quero que ele salve a pátria, mas se tem noção do poder do produto que constrói, declarar que não coloca um casal homossexual se beijando no ar por respeito à família, é deprimente. Respeito a que família? Qual a família que não tem um gay? Ou os gays não fazem parte de uma família? É por medo dos anunciantes? Os gays não pagam impostos e compram os produtos que são anunciados? Desculpe, mas mostrar mulheres quase nuas e cenas de sexo quase explícitas não é um sinal de maior respeito. Vale a pena deixar mais gente morrer por medo de chocar alguém? Eu não conseguiria dormir de noite sabendo que contribuo para isso. Só quando notar que o amor entre duas pessoas do mesmo sexo existe e é constante que a “grande massa” vai achar normal, como achou ver mulheres trabalhar em tempos mais afastados.


Posso estar sendo superficial pensando nos interesses apenas daqueles que sofreram o que eu e uma porção de gente que não é a maioria, declarada, pelo menos, sofreu. Você tem uma rede gigante que tem que agradar o evangélico da esquina e o batuqueiro do outro lado da rua. Por que colocar em jogo o meu emprego por algo que sei que as pessoas não querem ver? Por que eu tenho consciência. Só.

Dica de filme - "Beautiful Thing"

Até ver um filme com romance gay, todos os filmes de romance eram chatos pra mim. Pq? Talvez eu não me enxergasse nos romances e pra mim eles não faziam sentido. Por isso, adooooro indicar filmes com temática gay.

"Beautiful Thing" ("Bonita Relação" no Brasil, ou no literal, "Algo Bonito") é um drama inglês que conta a história de dois rapazes que descobrem o amor em um bairro de classe operária em Londres. O filme trata de assuntos delicados,desde os preconceitos que os jovens gays sofrem na escola até a relação de uma família sem a figura masculina do pai, com uma doçura encantadora. Uma história de descobertas, de medos, de superações. Impossível não se identificar.

Veja o Trailler:



Fikdika ;-)

O arco-íris ganhando o Rio Grande

A primeira vez que fui na parada foi em 2005. Lembro que na época estava em um processo de descobertas e foi muito legal ver tanta gente reunida numa grande festa. Pra quem nunca foi (e sim, existem gays que nunca foram em uma parada) o evento é super colorido, com shows e um desfile com trios elétricos e muita gente alegre. A galera que vai é bem unida. A opinião sobre o evento é que se divide.

Em 2005 o pôr-do-sol deixou tudo mais bonito na Redenção... (Foto: Arquivo Pessoal)

Tem aqueles que acham que a parada perdeu o poder de mobilização, que é só uma festa pra pegação e que travestis caricatos e gogoboys musculosos não representam a comunidade GLBTXYZ... Tem aqueles que pensam que o simples fato de colocar as pessoas na rua já é válido. Que mostrando que gays existem e que devemos defender a igualdade entre as pessoas não importa o quanto caricata elas sejam. Eu sou desses últimos. Até porque, vamos combinar, o evento é divertidíssimo... rsrs.

Esse ano, graças a empolgação de alguns bons amigos, acabei indo em três paradas e ainda tem outras programadas até o final do ano.
Caxias do Sul, Porto Alegre e Esteio foram os meus destinos. Tentei ir na de São Leopoldo também, mas com a chuva e o friozinho que fez no dia foi impossível não ficar abraçado na minha cama. Sabe como é a rotina de trabalho e faculdade, qualquer oportunidade de ficar em casa descansando, agarra-se com os dentes!

A de Esteio foi a primeira que eu fui.
Eles estão na 2ª edição e já conseguiram mobilizar um público considerável.

A parada de Esteio foi no centro da cidade. (Foto: Jonatas de Lima)

A de Caxias do Sul me surpreendeu. Fui numa van com os amigos dos amigos de uns amigos, pessoal divertidérrimo que acabou nos guiando por lá. A cidade, por si só, já é linda. As pessoas, então, nem se fala **momento pervertido**


Agora, a de Porto Alegre... foi linda.
Milhares de pessoas na rua, desfilando, cantando, dançando... Juro que fiquei emocionado quando vi tanta gente colocando a cara a tapa e se impondo por respeito.

Fora isso, é notável que tem muita gente que odeia ou sente nojo da gente. A cara de algumas, e eu friso bem, ALGUMAS pessoas nos ônibus que passavam pela rua, ou da galera voltando do jogo de domingo, faz isso ficar explícito. O meu conforto é que parece que isso era muito maior ontem.

Viu? Tem esperança...


13ª Parada Livre de Porto Alegre. (Foto: Ander Vaz)